De crime à arte valorizada, a tatuagem provavelmente sempre esteve presente nas sociedades humanas. Seus significados sofreram inúmeras mudanças ao longo da história e dos diferentes contextos sociais.
Considerada a modificação corporal mais conhecida atualmente, a tattoo é uma body art permanente que vem crescendo e se popularizando cada vez mais pelo mundo.
Se você se interessa pelo universo das tatuagens e quer conhecer mais sobre a história dessa marcante forma de expressão, que vai muito além da moda e da estética, siga adiante na leitura.
Boa viagem!
Origem das tattoos
Origem do termo
A palavra tatuagem tem origem no termo taitiano “tau” ou “tatau” (ferida, desenho batido) que faz referência ao som emitido pelas batidas dos instrumentos utilizados para tatuar pelos nativos do Taiti, na Polinésia.
O termo em inglês, tattoo, foi inserido na Europa em 1769, com o retorno do explorador James Cook e com o tempo acabou sendo traduzido para diversos idiomas.
A expressão tatuagem entrou para os dicionários de Língua Portuguesa em 1899, no fim do século XIX, com a seguinte definição: “Conjunto dos meios, com que se introduzem debaixo da epiderme substâncias corantes, vegetais ou minerais, para se produzir desenhos duradouros e aparentes.”
Onde e quando se inicia a História da Tatuagem?
Não é possível afirmar onde e quando a prática de tatuar teve início, mas sabe-se que antes mesmo do homem primitivo desenhar sobre as rochas, ele já marcava propositalmente sua pele com incisões causando cicatrizes e marcas coloridas com pigmentos.
Como registraria o evolucionista Charles Darwin, em seus relatos após a viagem a bordo do HMS Beagle (século XIX), nenhuma cultura desconheceu a prática da tatuagem, sendo possível que o ato de se tatuar seja tão antigo quanto a própria humanidade.
Acredita-se que a tatuagem tenha sido criada várias vezes em diversos momentos e lugares do mundo, com diferentes técnicas, resultados e finalidades.
Provavelmente, as tattoos derivam das cicatrizes corporais, a partir das quais o homem passou a marcar seu corpo a fim de ilustrar acontecimentos da vida (nascimento, puberdade, reprodução e morte), eventos sociais (casar-se, tornar-se guerreiro, comemorar vitórias), para fins religiosos e para distinguir prisioneiros.
Apesar de não podermos afirmar onde e quando foi realizada a primeira tatuagem, a literatura científica aponta artefatos datando até 10.000 a.C., que fazem referência à essa arte. São esculturas, pinturas e hieróglifos descobertos por arqueólogos em muitas partes do mundo.
De acordo com o trabalho “Tatuagem: História e Contemporaneidade”, os seres humanos tatuados mais antigos de que se tem evidências são múmias encontradas em diversos locais do planeta.
Os dois achados mais primitivos, provenientes do Neolítico ou Idade da Pedra Polida (4000 a.C. até 3000 a.C.), serão apresentados a seguir:
Ötzi (o Homem do Gelo) foi encontrado na fronteira da Itália com a Áustria, em 1991. Os pesquisadores estimam que o corpo, contendo cerca de 60 tatuagens compostas por linhas paralelas e cruzes, tenha pelo menos 5200 anos.
Possivelmente, as tattoos do “Homem do gelo” tenham sido feitas com auxílio de espinhos e ossos afiados, utilizando uma mistura de fuligem e cristais de silicato como pigmento. A hipótese mais aceita é que suas tatuagens sejam ligadas à alguma forma de “cura” ancestral, como práticas “terapêuticas”, “medicinais” e espirituais.
Ötzi é considerado a evidência mais antiga de uma pessoa tatuada até o momento.
Em 1896, o egiptologista Wallis Budge descobriu seis corpos que ficaram conhecidos como as Múmias Pré-Dinásticas de Gebeleim, datadas com aproximadamente 5000 anos.
Somente após novas análises, realizadas em 2017, um grupo de pesquisadores percebeu que duas das múmias, um homem e uma mulher, possuíam tatuagens figurativas, sendo um touro e um carneiro no braço e os caracteres que remetem as letras “S” e “L” nos ombros e abdômen, respectivamente.
Dessa forma, os egípcios passam a serem considerados os pioneiros da tatuagem figurativa, composta por símbolos relacionados aos seus ritos de passagem, status, espiritualidade e fertilidade. Eles também utilizavam fuligem como pigmento, além de peças de cobre, ossos e pedras como instrumentos.
A tatuagem nas culturas ancestrais
Tattoos na Europa
A prática da tatuagem esteve presente em grande parte das culturas ancestrais europeias.
Alguns povos nômades tinham as tattoos como algo nobre e carregadas de significados bélicos. Para os citas e os trácios, por exemplo, quanto mais tatuagens uma pessoa tivesse, maior o seu poder e reconhecimento.
Em contraponto, os gregos repudiavam o modo de vida dos “bárbaros” (trácios e citas) e enxergavam as tatuagens como algo pejorativo, adotando a pratica de tatuar os criminosos de suas sociedades como forma de punição e identificação.
Outras civilizações pagãs se tatuavam com finalidades religiosas e espirituais, reverenciando suas divindades, em busca de proteção e força para as guerras, como os celtas e os vikings, esses últimos também se tatuavam para intimidar seus oponentes.
Para os romanos, a tatuagem era comum entre os cavaleiros templários, que se marcavam com cruzes e outros símbolos de fé e proteção, durante as Cruzadas. Entretanto, a arte na pele se torna mal vista e no fim da Idade Média, no século XV, é proibida pela Igreja em toda Europa, por ordem do Imperador Constantino.
Tattoos orientais
Na China, à princípio, as tattoos eram aplicadas como punição e identificação para criminosos e pessoas “marginalizadas” pela sociedade. Com o tempo, esses grupos passam a adotar as tatuagens como parte de sua cultura e desenvolvem seu próprio simbolismo e estilo, influenciando os demais grupos sociais do país.
As tatuagens permanentes na Índia geralmente são muito pequenas, relacionadas à religião e para marcar as diferentes castas sociais, sendo que a cultura indiana sempre teve mais destaque por suas exuberantes tattoos de henna.
A relação do Japão com as tatuagens é muito conhecida pela polêmica, intensidade e beleza única de suas artes, mudando drasticamente seus significados nos diferentes momentos históricos e sociais do país.
O ato de tatuar foi bem visto até cerca de 200 d.C., quando se adere a função de marcar criminosos e em seguida se torna totalmente abominada pela sociedade devido a mudanças políticas de liderança.
Quando termina o período de ditadura militar, em 1868, as tatuagens voltam a ser mais aceitas e com significados decorativos e artísticos.
Porém, com o surgimento e crescimento da Yakuza (máfia japonesa), o preconceito em relação as tattoos retorna com grande intensidade, uma vez que os integrantes da máfia possuíam todo o corpo coberto por coloridas e extravagantes tatuagens.
A técnica ancestral japonesa chama-se Tebori, que significa “entalhar”, e utiliza finíssimas pontas de bambu para perfurar a pele e introduzir a tinta. Apesar de ainda existir significativo preconceito no próprio Japão, atualmente, a arte japonesa é uma das mais valorizadas e admiradas no mundo, inspirando até mesmo artistas ocidentais.
Tatuagem Maori
Conhecidos por seus rostos marcados com desenhos tribais, os maoris, nativos da Nova Zelândia, possuem uma profunda relação com a tatuagem.
Diferente da maioria das culturas, em vez de perfurar a pele, os maoris utilizavam ossos de pássaros, pedras afiadas, dentes de tubarão e facas para fazer cortes e inserir os pigmentos.
Dando grande ênfase à dor, o processo de tatuar é sempre acompanhado por cerimônias e rituais, onde a pessoa a ser tatuada precisa aguentar toda a dor para ser considerada digna de distinção e nobreza.
A prática de marcar o corpo tem início na adolescência e ao longo da vida vão se acumulando tatuagens, como uma forma de narrar a jornada daquele individuo, resultando em desenhos únicos e complexos.
A arte Maori ganhou bastante visibilidade nos últimos tempos, aumentando a busca do público por trabalhos inspirados nessa cultura.
Tatuagem nas Américas pré-Colombianas
Os povos nativos das Américas também utilizavam/utilizam a tatuagem como fator essencial de suas culturas.
Na América Central e do Sul, os Astecas, Naszcas e Maias possuíam desenhos permanentes no corpo, geralmente representando símbolos culturais e animais estilizados, assim como as gravuras em suas outras formas de arte.
Acredita-se que as tatuagens que as mulheres dessas civilizações possuíam próximas das áreas genitais tivessem o objetivo de enaltecer a fertilidade feminina.
As tattoos dos nativos da América do Norte e do Brasil, geralmente apresentam mais padrões gráficos e geometrias do que simbolismos. Tanto as tatuagens quanto as pinturas corporais desses povos possuem finalidades espirituais, ornamentais e de reconhecimento entre membros da tribo.
A influência dos Marinheiros
Quando retorna das expedições ao arquipélago da Polinésia, em 1769, o navegador inglês James Cook traz consigo, não apenas os registros de sua jornada, contendo informações sobre a prática da tatuagem do local, como também um tatuador nativo da ilha.
Assim começa a disseminação e popularização das tatuagens, que até então não estavam tão presentes na cultura europeia.
No final do século XVIII, Cook e outros navegadores abraçam o hábito de adquirir tatuagens recordativas, como lembranças dos lugares que passavam em suas expedições. Logo esse hábito se torna tendência entre os marinheiros e as tattoos se transformam em um indicativo de reconhecimento da classe.
Já no fim do século XIX, o governo da Inglaterra decide usar as tatuagens para marcar criminosos, contribuindo com a propagação do preconceito com a arte (que já era estigmatizada) e com as pessoas.
Mesmo que na época, as tatuagens continuassem vistas como algo pejorativo, ligadas apenas às subculturas e classes sociais inferiores, como prostitutas, militares de baixo escalão e infratores da lei, os marinheiros tiveram importante influência na popularização e aceitação dessa arte na cultura ocidental.
Evolução e profissionalização das tatuagens
O surgimento dos estúdios
A popularidade das tattoos estava ganhando cada vez mais força no cenário ocidental, mas até então não existiam estúdios, materiais e instrumentos específicos para tatuar e muito menos se falava em higienização e assepsia.
Há poucas informações sobre o assunto, mas as primeiras referências a respeito do surgimento dos estúdios de tatuagem são sobre Martin Hildebrandt, que provavelmente inaugurou um estúdio numa região portuária em Nova York, mais ou menos no ano de 1846.
Por se tratar de uma prática mal vista para a época, muitas informações foram perdidas e é difícil afirmar com certeza quando e onde se inaugurou o primeiro estúdio de tattoo.
A máquina de tatuar
Paralelo ao mundo das body arts, em 1875, Thomas Edson desenvolve uma máquina que funcionava com corrente elétrica, chamada caneta de impressão autográfica.
Entretanto, com a invenção da máquina de escrever, a criação de Edson não obteve sucesso, caindo no esquecimento. Ninguém imaginava a revolução que ela inspiraria na história da tatuagem.
Enquanto isso, em 1880, um aprendiz de Hildebrantd abriu seu próprio estúdio em NY. Samuel O’Reilly praticava a tatuagem oriental e a técnica artesanal do Handpoked, que consiste em utilizar apenas a agulha e a tinta, realizando a arte ponto a ponto.
Além de tatuar, O’Reilly pesquisava maneiras de aprimorar as técnicas da tatuagem para otimizar seu trabalho, o que o levou a enxergar potencial na esquecida caneta de impressão autográfica de Thomas Edson.
Após alguns ajustes e adaptações, como a substituição da caneta de metal por uma agulha e a instalação de um pedal para controle da voltagem e velocidade da batida, em dezembro de 1891, Samuel O’Reilly cria a patente da primeira máquina elétrica para tatuagem.
Em agosto de 1904, Charles Wagner (discípulo de O’Reilly) aprimora e patenteia uma nova versão da máquina, composta por um sistema de bobinas que é utilizado até os dias de hoje.
É importante mencionar que mesmo com a revolução gerada pela invenção das máquinas de tatuar e de sua inquestionável importância para a história da tatuagem, o surgimento das mesmas não causou a extinção das técnicas ancestrais e artesanais.
Muitos artistas continuam praticando o Tebori, do Japão e o Handpoke, por exemplo. E embora haja certo preconceito de uma parcela dos tatuadores de máquina em relação ao Handpoke, não podemos deixar se apagar a importância dessa técnica para evolução da arte na pele.
Nos últimos tempos, a prática vem ganhando visibilidade novamente, graças à resistência de ótimos profissionais que se dedicam à especialização, aprimoramento e divulgação das tatuagens artesanais.
Sailor Jerry: O profissional
Outra figura de extrema importância para a história das tatuagens foi Norman Collins. Seu trabalho e suas ideias colaboraram muito para a popularização das tattoos no século XX.
Collins começou a tatuar ainda na adolescência, praticando técnicas tradicionais e mais tarde aprenderia a trabalhar com a máquina. Aos 19 anos se alistou na marinha e sua arte passa a ter como foco o mar e a vida de marinheiro.
Após muitas viagens e contatos com diversas culturas, seu trabalho foi se aprimorando e, no ano de 1930, ele inaugura seu próprio estúdio no Havaí, onde ficaria conhecido como o “lendário” Sailor Jerry.
Além de ser o primeiro homem ocidental a trocar experiências práticas com os mestres da arte japonesa, Jerry contribuiu de inúmeras maneiras para a evolução e profissionalização das tatuagens. As principais serão listadas a seguir:
Desenvolveu e difundiu sua técnica de soldagem de agulhas para as diferentes funções no processo de tatuar;
Criou seus próprios pigmentos e tintas artesanais com tons exclusivos;
Ressaltou a importância da assepsia dos instrumentos e do descarte dos materiais, como as agulhas, após cada sessão;
Estimulou a importância do trabalho original e exclusivo, inspirando outros profissionais a desenvolverem estilos e desenhos próprios, combatendo o plágio;
Ajudou a popularizar as flash tattoos, criando os desenhos mais marcantes da sua época.
O trabalho de Sailor Jerry e outros artistas da região foram precursores do estilo que hoje conhecemos como Old School. Jerry faleceu em 1973, mas suas ideias se tornaram o padrão de profissionalismo que se mantém até hoje.
E com o avanço da Ciência, surgiram novas regras sanitárias e tudo evoluiu ainda mais, não apenas as técnicas, instrumentos e materiais, mas também o senso crítico, tanto dos artistas quanto do público.
A tatuagem no Brasil
A arte tribal brasileira
Como já vimos, a tatuagem está presente em praticamente todas as culturas, em diversos momentos da história do ser humano. No Brasil, isso não é diferente.
São diversas as tribos brasileiras que faziam e fazem uso da tatuagem e da pintura corporal, com diversas finalidades, desde antes da chegada dos europeus ao continente americano.
Conforme mostra o artigo “Tatuagem: Aspectos históricos e hipóteses sobre a origem do estigma”, para os tupinambás, as tattoos estavam relacionadas à iniciação, hierarquia, luto e sacrifício. Já nas tribos dos gês, tupis, caianguás, guaraios e cabilas, a arte na pele era vista como ritual de iniciação feminina.
As tatuagens para os auetés e para os camarrituras, por exemplo, apresentam-se como instrumentos mágicos e medicinais. Enquanto para os guanás e cadieus, são tidas como ornamentos sexuais. Alguns povos também utilizavam as tatuagens para diferenciar os homens dos animais, como os kadiwéus.
A arte indígena brasileira é quase sempre composta por desenhos geométricos e grafismos, com linhas e tramas pelo corpo e pelo rosto, sendo utilizados diferentes instrumentos para o processo, como diamantes, espinhos de palmeiras e dentes de peixes e mamíferos.
Infelizmente, existem poucos artigos sobre as tatuagens na cultura indígena brasileira, o que mostra que precisamos valorizar mais a nossa própria arte ancestral, que é tão rica e complexa como a de qualquer outra cultura do mundo.
A chegada da tattoo contemporânea no Brasil
Assim como em outras partes do mundo, no Brasil também ocorreu a disseminação das tatuagens no século XIX, através da abertura dos portos e do contato entre os marinheiros e a população litorânea.
Entretanto, a arte só ganha força no país com a chegada do marinheiro dinamarquês Knud Harald Likke Gregersen, também conhecido por Lucky Tattoo.
Lucky era artista plástico e se instalou com seu ateliê em 20 de julho de 1959, no porto da cidade de Santos – SP, mais precisamente na Rua João Otávio, número 40, bairro Paquetá, onde iniciaria seus trabalhos como tatuador.
Após 24 anos trabalhando e se consagrando como o pioneiro da tatuagem profissional no Brasil, Lucky Tattoo faleceu em 1983, aos 55 anos, devido a um ataque cardíaco. Lucky ficou muito conhecido na região e tatuou muita gente, além de ensinar a prática para aspirantes à tatuadores.
Seu legado inspirou dezenas de novos tatuadores, inclusive pessoas que se tatuavam com ele, que se tornariam ícones da tatuagem no Brasil, ajudando no crescimento e popularização da arte por todo o país.
Se você quiser mais informações sobre o assunto, indico o excelente documentário “Do Porto à Pele: A história da tatuagem profissional no Brasil”. Nele você encontrará informações aprofundadas, além de entrevistas com profissionais da arte, alguns que foram discípulos do próprio Lucky.
Para concluir, como foi visto neste artigo, as tatuagens possuem grande importância, não apenas para a história da arte, mas também para a história e evolução da própria espécie humana.
Sendo uma forma de expressão usada pelo homem, antes mesmo das pinturas em rochas nas cavernas, a tattoo passou por diversos obstáculos ao longo das épocas e civilizações, mas continuou resistindo e evoluindo, com resiliência suficiente para hoje ser uma das artes mais valorizadas na sociedade atual.
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